sábado, 14 de março de 2015

Conto psicológico

A bênção
Pedro Ferreira da Silva


    Era um sábado e o dia começou muito ruim. Ao me levantar, percebi que estava com dor de cabeça. A princípio eu não quis tomar nenhum remédio porque não gosto de automedicação. Lá pelas nove horas a dor continuava e parecia que estava mais forte e fui obrigado a tomar um analgésico contra minha vontade. Geralmente um analgésico tira uma dor de cabeça em poucos minutos, mas isto não aconteceu. A dor parecia aumentar e eu fui ficando irritado com a situação. Procurei fazer alguma coisa para me distrair, tentei assistir televisão, não adiantou; fui para o quintal plantar alguma coisa, mas não fiquei lá por muito tempo porque a dor incomodava muito. Já era 11 horas e eu já estava ficando preocupado porque eu nunca tinha tido uma dor como aquela. Pensei em procurar um médico, mas era sábado e não seria fácil achar um consultório aberto.
    Hora do almoço. Pensei “Agora a dor deve passar” porque talvez eu estivesse com fome, nada aconteceu. Logo após o almoço resolvi deitar-me um pouco. Fiquei na cama por 50 minutos e nada, a dor continuava. Tomei outro analgésico e o resultado foi o mesmo, ou seja, a dor continuou.
    De repente ouvi palmas na porta de minha casa. A princípio não quis atender porque eu não estava bem e poderia ser uma visita que poderia me incomodar, mas as palmas foram insistentes e eu tive que olhar. Quando cheguei ao portão, um garoto de uns 11 anos, mal vestido me perguntou:
    — O senhor tem alguma coisa aí para dar para eu comer?
    Como se eu já não tivesse tantos problemas e ainda aparecia outro. Quem era aquele garoto? O que ele estava fazendo na porta da minha casa sozinho? Por que os pais dele deixaram-no na rua sozinho?      Minha primeira resposta foi:
    — Eu não tenho nada não, garoto. Vá pedir na casa do vizinho.
    — Senhor, pode ser qualquer coisa.
    A dor de cabeça era tão forte que me impedia de pensar racionalmente. A minha resposta ainda continuou negativa.
    — Olha, eu já almocei e não sobrou nada. Volte outro dia.
    — Mas senhor, minha fome é agora. Me dê algo para comer.
   Eu não sabia se me preocupava com o menino ou com minha dor de cabeça que agora estava insuportável.
    — Tá bom, vou ver se acho alguma coisa lá dentro para você.
   Entrei e comecei a procurar. Não achei nenhum pão ou outra comida pronta. Já ia voltando para o portão quando me lembrei que dentro da minha sacola que levo material escolar tinha um pacote de bolachas recheadas que eu havia comprado na escola, na hora do recreio, e que não tinha comido. Peguei-a e levei para o garoto.
    — Olha aqui, garoto. Eu só achei este pacote de bolacha recheada. Ele serve?
    — Serve sim. O senhor não tem um refrigerante?
    Era o que me faltava. Um menino de rua exigindo de mim um lanche com refrigerante. Eu respondi áspero:
    — Não tenho. Se você quiser eu posso te dar um copo de água.
    — Água com bolacha não é muito bom. O senhor tem certeza que não tem nenhum refrigerante aí?
    — Eu já disse que não.
    — Será que o senhor não pode comprar um para mim. É que eu sou pobre e meus pais nunca têm dinheiro para comprar refrigerante.
    Não sei se fiquei com dó do garoto ou com vontade de me ver livre dele, o fato é que peguei minha carteira, sai de casa deixando-o do lado de fora do portão, fui a um bar que fica perto de minha casa e comprei duas latinhas de refrigerante e trouxe para o garoto. Quando as entreguei a ele, ele sorriu e me agradeceu.
    — Muito obrigado, senhor. Espero que Deus te dê algo em recompensa.
   Após dizer isto, o garoto saiu sorrindo. Eu continuei em frente ao portão olhando o rumo que o ele tomava. Na primeira esquina ele virou à direita e sumiu atrás do muro. Aquela situação me afetou muito. Eu era uma pessoa com boa situação financeira e estava negando alimento a um pobre garoto que não tinha nada. Fiquei ali por alguns minutos perdido nos meus pensamentos e depois resolvi entrar. Logo que entrei na sala de minha casa percebi que alguma coisa muito estranha havia acontecido. A dor de cabeça que me incomodara a manhã inteira já não existia mais. Então veio outra preocupação à minha cabeça. O que havia acontecido? Como aquela dor insuportável sumiu tão de repente? Será que aquele garoto tinha feito um milagre e me curado ou eu havia recebido de Deus a bênção que ele havia impetrado sobre mim?
    De uma coisa agora eu tenho certeza, é melhor ajudar alguém que esteja precisando do que ficar reclamando.
    Eu nunca mais vi aquele garoto.

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